Olá caros colegas. Inicio a discussão, com uma entrevista que dei ao Programa OLá Planeta, na CWBTV, canal 5 da NET, aos sábados das 20h30min. Sugiro que vejam esta e outras repostagens interessantes sobre Meio Ambiente, Sociedade, Educação e Tecnologia. Seguem perguntas e respostas da entrevista. Espero que gostem e se integrem ao tema. Saludos, Zaide Sá.

Analise psicodramática do comportamento humano relacionado às questões ambientais

 

1.                  O que diz o Psicodrama sobre o comportamento humano e sobre a nossa maneira de lidar com as questões ambientais? É possível correlacionar as teorias do Psicodrama com o comportamento predatório que parece caracterizar grande parte da sociedade?

É possível analisar a relação do ser humano com o meio ambiente, com a natureza, com o espaço comum, com a humanidade à luz das teorias do Psicodrama.

Jacob Levy Moreno, criador do Psicodrama construiu teorias que nos permitem compreender que as relações do ser humano com os demais e com o ambiente em que ocorrem as relações resultam da qualidade das experiências relacionais de infância, vividas na família.

Moreno construiu a teoria do Núcleo do Eu, posteriormente desenvolvida por Bermudez, a teoria da Matriz de Identidade e a teoria dos Papéis Sociais e outras teorias, sempre compreendendo o ser humano como um ser composto de dimensões orgânica, psíquica, relacional e espiritual, que devem ser desenvolvidas de modo equilibrado.

Estas teorias surgiram da analise das experiências da criança junto à mãe, marcante na formação do modelo emocional e junto ao pai, marcante na sua formação moral. Embora esses modelos possam ser recriados, podem perdurar a vida toda, dependendo da qualidade do ambiente social, das escolhas e das relações que estabelecermos na adolescência e na vida adulta.

A teoria do Núcleo do Eu diz que os dois primeiros anos de vida são marcantes na formação da personalidade. Através das experiências da amamentação, da defecação e da micção, vividas na presença da mãe ou substituta, a criança aprende como é se relacionar com o meio externo e forma modelos psicológicos, que podem perdurar por toda a vida. Esses modelos influem fortemente na formação e desenvolvimento das funções mentais de percepção, elaboração, expressão e comunicação, criação, planejamento e ação no meio externo. 

Se as experiências ocorrerem satisfatórias e em ambientes seguro e afetuoso, os modelos relacionais serão saudáveis e favoráveis ao convívio da criança com os demais e com o ambiente em que vive. Caso contrário, poderá haver prejuízo nas funções mentais e no modo com que a criança lidará consigo, com o meio externo, com o espaço comum, com os demais.

Por exemplo, uma criança que foi hostilizada ou abandonada na amamentação, na defecação e na micção, viveu em ambiente inseguro, aprenderá que a relação dela com os demais e com o espaço comum são experiências dolorosas, agressivas, contra o que tenderá que agir na mesma proporção. Tenderá a aplicar o pouco caso e a depredação como modelos nas relações com o meio ambiente, espaço de todos e com os demais.

Para a Matriz de Identidade, os três primeiros anos de vida são marcantes na formação da personalidade e da saúde. Neste período de vida passamos por fases de total dependência, chamada de Duplo, em que a mãe nos percebe, advinha nossas necessidades e as supre; de simbiose parcial, na fase de Espelho em que não nos percebemos ainda totalmente e não percebemos totalmente o outro, a mãe; de simbiose diferenciação com certa dependência, na fase do Jogo de Papéis, em que tentamos obter e manter o afeto e atenção da mãe, de qualquer maneira e, por fim, o filho começa a perceber o pai, que interfere na relação com a mãe e estabelece limites ao filho. Nesta fase, que ocorre em torno dos 3 anos de vida, se o pai colocar limites, o filho aprenderá a perceber o outro e seus direitos e deveres nas relações. É a fase da Inversão de Papéis, que inicia a socialização da criança.

Não sendo satisfatórias essas experiências e não ocorrendo o corte dos impulsos egoístas da criança, pelo pai, os modelos relacionais do Duplo, do Espelho e do Jogo de Papéis poderão persistir gerando problemas na socialização e nos valores morais que serão insuficientes para conviver com normas e respeito bem comum. Neste caso, lidar com o espaço que pertence a todos será como um desafio de poder, de apropriação, e competição. Vencerá quem tiver mais, dominar mais.

Com a teoria dos Papéis Sociais, Moreno nos ensina a tomar cada papel, a desempenhá-los separadamente, recriando-os várias vezes ao longo da vida. Para cada papel social há um ou mais contrapapel, como para o papel de filho há o contrapapel pai, e assim para os demais papeis sociais.

 

2.      E o papel social de cidadão, de sujeito coletivo, como podemos analisar à luz destas teorias? E qual é o contrapapel do papel de cidadão?

Peso que o papel social de cidadão não está bem claro para a maioria das pessoas, embora muitas campanhas e recursos tenham sido investidos para esclarecer a população geral.

O papel social de cidadão, de sujeito coletivo, tem em seu contrapapel a comunidade e, por extensão, toda a humanidade. Espera-se, portanto, que cada um de nós tenha clara a relação com os demais e o senso do bem comum, pois conforme Moreno, em toda relação há a coautoria e a corresponsabilidade, sendo na vida adulta, uma partilha meio-a-meio.

O cidadão é um guardião da ordem e da paz em sua comunidade, porém, a desconfiguração das estruturas sociais cria uma dinâmica caótica, de exceções e privilégios, causa um estado de insegurança que remete às experiências inseguras da infância e da adolescência, fazendo com que o adulto opte, inconscientemente, pelo papel de filho dependente e se desobrigue das responsabilidades de cidadão.

As suas relações com a lei e a autoridade constituída terão características do papel de filho, com qualidade relacional semelhante a que existia ou existe neste papel, embora o papel de cidadão requera outros conteúdos e diferente desempenho. Novamente vemos a força dos modelos relacionais de infância predominando no comportamento do adulto.

 

3.      Por que temos tanta dificuldade em assumir a coautoria e a corresponsabilidade? Por que há tanta negligencia no papel de cidadão e resistência frente às propostas de melhorias ambientais?

O Psicodrama mostra que os papeis sociais podem se orientados pelas experiências das fases do Núcleo do Eu e da Matriz de Identidade, antes da Inversão de Papéis. Assim, o papel de cidadão pode conter conteúdos das experiências nas quais a pessoa foi desconsiderada em seu espaço, em seus sentimentos e em seus direitos, afetada no seu senso de bem comum, resultando na má formação do papel de cidadão.

Por faltarem normas e respeito nas relações familiares, os valores sugeridos através das campanhas ecológicas não significam e não modelam condutas, pois estas são muito mais influenciadas pelas experiências de infância vividas no átomo familiar.

Estas teorias psicodramáticas se aplicam aos humanos, independente de escolaridade, de idade, de profissão ou de poder que exerce na sociedade. Assim sendo, o antagonismo entre o discurso e a prática, que encontramos no cotidiano de governos e empresas, nos remete ao antagonismo com os quais sofremos na infância, na família.

E, se na infância era penoso contrapor-se ao pai,  primeira figura de autoridade, o  adulto, agora diluído na sociedade, encontra coragem para se contrapor às demais autoridades e revidar, com hostilidade, as suas orientações e normas. É o adulto movendo-se por força dos modelos formados na infância; o adulto que não assume o papel de cidadão; o adulto que não construiu os sensos de coautoria e corresponsabilidade, inibidores do comportamento predatório.

 

4.      Conforme o Psicodrama como está a evolução psicossocial da humanidade; em qual estágio estamos e por que?

Grande parte da humanidade está nos estágios de Espelho e Jogo de Papéis, da Matriz de Identidade. Os comportamentos que predominam são: percepção parcial de si, do outro e do ambiente, individualismo, egoísmo, idealização e preconceito, jogo de palavras e outras formas de manipulação para obter vantagens nas relações, busca de ganhos imediatos a qualquer custo moral e outros.

Nas leituras científicas sobre o mundo e sobre o homem podemos perceber que as teorias de Moreno encontram eco em muitas outras teorias, como exemplo, na Teoria do Jogo, desenvolvida por Bruce Mesquita, criada pelo matemático húngaro americano John Von Neumann e pelo economista austríaco Oskar Morgenstern, em 1944. Esta teoria é aplicada em áreas da biologia, economia, engenharia, ciências políticas, relações internacionais e filosofia. Oito teóricos ganharam o Nobel por avanços na Teoria dos Jogos, incluindo John Nash (cuja vida é retratada no filme Uma mente brilhante).

Esta teoria prevê, matematicamente, tendências de estratégicas para tomar a decisão, em que o indivíduo ou grupo precisa levar em consideração as decisões dos outros. No campo das relações interpessoais, vivemos este jogo desde a infância e, nele, não há a percepção de si e do outro como ser humano e sim como peças de um tabuleiro que queremos compreender para ganhar.

Bueno Mesquita diz que “o ser humano só pensa no curto prazo”,  que as tendências mostram que “somos incapazes de fazer concessões que reduzam nosso conforto em nome do benefício das gerações futuras”, em seu livro O jogo do vidente, lançado há um mês nos Estados Unidos, a ser publicado no Brasil em julho de 2010 pela Ediouro. Estes comportamentos reprisam a dinâmica familiar, em que o egoísmo e a busca de ganho maior e imediato depredam o interesse comum, o espaço comum e o bem comum.

Também na Enciclopédia do Mundo. Problemas e Potencial Humano (HTTP://un-intelligible.org ) da União das Associações Internacionais, fundada pelo Prêmio Nobel da Paz de 1913, Henri de La Fontaine, encontramos comportamentos-problema do ser humano identificados, por pesquisa, com os valores morais correspondentes. Os comportamentos identificados nesta obra referenda nossa afirmação de que o ser humano ainda não evoluiu para a Inversão de Papéis, para a coautoria e corresponsabilidade, que ainda espera que o outro resolva seus problemas em vez de se dispor conscientemente a resolver junto com o outro, os problemas que afetam o bem comum.

Discursos de respeito pelo bem alheio, pelas leis, pela ordem, pelo espaço comum são frequentes na fala dos pais aos filhos, assim como é frequente a prática do contraditório pelo pai na relação com o filho, quanto ao respeito por seus sentimentos, seus objetos, seu espaço na casa, seus sonhos, seus direitos e deveres.

O mesmo contraditório é visto nas escolas, na política, nos planos de gestão pública e empresarial e na prática dos chamados Direitos Humanos. Este contraditório estabelece no imaginário social o valor de competição predatória entre fortes e fracos, entre espertos ou poderosos e os  demais.

Nesta dinâmica psicossocial, as campanhas ambientais não causam suficiente impacto ou demoram muito para causar impactos nas consciências crítica e reflexiva e, daí, mais tempo é necessário para que se processem mudanças no comportamento humano, na relação com o meio ambiente.

O avanço tecnológico e a Internet nos levam aos diversos cenários do planeta e o que vemos, nos campos da gestão ambiental e da qualidade de vida humana reforça o que vemos no nosso dia a dia, o contraditório entre o discurso e a prática, com investimentos altíssimos favorecendo poucos e escassez de recursos para mais de 70% da população mundial.

Esta prática milenar desconsidera o ser humano e remete a experiências inseguras de infância, motiva o comportamento predatório sobre nós mesmos, o outro, e sobre o espaço comum: o meio ambiente.

Cada um de nós precisa de condição segura para nascer, viver, para ser humano. O espaço e o viver nesse espaço implicam um razoável nível de certeza de segurança, que resulta da disposição do outro. Vivemos em relação.

 

5.      Como podemos analisar a força da legislação ambiental como inibidora do comportamento predatório? Como estabelecer um paralelo entre a lei e a Ética, nesta dinâmica complexa das relações, conforme o Psicodrama?

A legislação entra neste cenário assim  como os limites entraram na formação da moral na infância, e, dependendo da ausência desses limites ou da presença do contraditório entre o que é exigido e o que é oferecido pelo pai à criança, as leis tornam-se insuficiente para regular a relação do homem com o meio ambiente.

A dependência existente entre os seres ocupantes da Terra, mesmo em condições distintas de poder e domínio do espaço, requer um valor essencial: a Ética.

A Ética é a origem do direito e, sem ela, não há ele. Similarmente, sem a mãe não há o filho; sem o espaço comum não há a Ética; sem a Ética não é possível a aplicação do Direito, como ciência normativa da vida em sociedade. Se os espaços e o viver humano não se contextualizam numa condição razoavelmente homogênia de segurança e Ética não se constitui o Direito.

E qual é a origem da Ética? A Ética constitui-se, essencialmente, do senso de compromisso de um ser humano para com o outro. E, tal compromisso, onde se origina? Tal compromisso se origina ou se forma na natureza coletiva da espécie humana, na memória filogenética, na memória ontogenética, na memória das relações em família, na memória da relação mãe–filho e pai-filho.

Instalam–se, aí, as bases da aprendizagem da vida, da valoração do outro, de si mesmo, das relações humanas, das experiências compartilhadas, do sentido de ser, do sentido da vida, do sentido do Eu, do Tu e do Nós, do sentido de  espaço comum e do sentido do bem comum. Os sentidos geram significados e esses geram motivos para a ação e refletem a Ética original. 

A Ética é filha do divino, do incansável sinal do bem que jamais se perde ou se distancia da consciência humana. Aí, reside toda a origem do Direito, que transcende o humano, pois requer, por natureza e essência, o todo, o universal, todos e tudo que há, sob pena de não ser! Aí está a dimensão espiritual do ser humano.

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